O fascínio dos ETs

O fascínio dos ETs



Há 50 anos, a notícia de que OVNIs se espatifaram em Roswell matando os seres que os ocupavam transformou o local em epicentro da ufologia



 O rancho Hub é lugar ideal para um acidente cósmico. Seus limites estão no fim de uma poeirenta estradinha vicinal da rodovia US 285 South, do Estado americano do Novo México. Ali ainda é parte do município de Roswell. Considere-se a paisagem em questão: um pedaço de terra semiárida, com bombas de prospecção de gás natural espalhadas pela área na mesma proporção que os nativos cactos espinhentos. Às vezes, ao longe se ouve o balido das ovelhas dos rebanhos que se criam à solta. O terreno tem uma irregularidade marciana, com as marcas de erosão formando barrancos altos e valas. E foi justamente numa dessas depressões que o desastre aconteceu. Na noite de 4 de julho de 1947 algo caiu do céu.
Espatifou-se num daqueles inóspitos barrancos. Um impacto direto e que deixou sinais ainda visíveis. Muita gente garante que o veículo desastrado era um disco voador. Mas a Força Aérea dos Estados Unidos, seguindo a linha oficial do governo, assegura que tudo não passa de um mal-entendido. Nem todos acreditam: a rede de tevê CNN recentemente pesquisou 1.024 pessoas sobre o assunto. Segundo essa enquete, 54% acham que existe vida fora da Terra. Desses, nada menos do que 80% estão convencidos de que o governo esconde os fatos ocorridos em Roswell. Conta-se que morreram entre quatro e seis criaturas. Seres extraterrestres, baixinhos cabeçudos, com enormes olhos negros e oblíquos. Muita gente jura ter visto a nave e seus azarados tripulantes. Por tudo isso, no mês passado, a presença de meia dúzia de urubus encarapitados na vizinhança do fatídico barranco do rancho Hub acrescentava tragicidade extra àquelas plagas. “Não adianta lamber o bico, urubuzada! Vocês chegaram 50 anos atrasados. O governo levou embora os mortos faz muito tempo“, disse aos pássaros Sheila Corn, dona do rancho e guia de excursões de turistas que cada vez em maior número peregrinam ao ponto. A frase ilustra com perfeição o espírito de Roswell onde drama e ironia colidem espetacularmente.
Qualquer que seja a vertente na polêmica sobre o chamado “Incidente de Roswell”, todos são obrigados a concordar, pelo menos, com um fato indiscutível. Algo despencou do espaço na noite de 4 de julho de 1947. Assim, na comemoração do Dia da Independência americana daquele ano, as explosões iluminando o céu não seriam apenas as dos fogos de artifício. Naquela noite, Jim Ragsdale, um chofer de caminhão de 22 anos, diz que estava acampando nas montanhas ao leste do rancho Hub. Ele estava acompanhado da namorada e viu quando algo caiu do céu. Ragsdale descreve melhor o momento: “Nós estávamos peladões na carroceria de minha pick-up, bebendo cerveja e nos divertindo para valer, quando ouvimos uma explosão. Um disco voador, com uns cinco metros de diâmetro, caiu numa área não muito longe de onde estávamos. Fomos ao local e encontramos a nave com uma rachadura no meio e quatro criaturas espalhadas ao redor. Uma delas estava sentada numa pedra. Eram como anões, com cabeças grandes, olhos puxados e negros e pele muito pálida. Nós fugimos para onde estava a pick-up. No dia seguinte, quando retornamos, a área já estava tomada por militares, recolhendo tudo o que viam. Saímos de lá sem sermos notados. Eu não queria ser preso e nem revelar a identidade da namorada com quem estava fazendo sexo“, disse Ragsdale num livro ditado à sua filha, pouco antes de morrer em 1994.
É importante, porém, apontar a ressalva feita pelo pesquisador Kent Jeffrey: “Ragsdale era famoso por ser um dos maiores mentirosos que já passaram por essas bandas.” Além disso, garante, a testemunha sempre bebia a ponto de não conseguir distinguir nave espacial de um Buick 47. Jeffrey, por sua vez, não bebe. É um ex-piloto da Delta Airlines, e autor da “Declaração de Roswell”, onde contesta absolutamente todas as evidências da queda de um ou mais OVNIs no local. Seu pai pertenceu ao corpo do 509o Bomb Group da época, e o pesquisador teve acesso a vários documentos e testemunhos de pessoas que viveram o episódio.
O que não se pode contestar é que os militares da base aérea de Roswell foram até o rancho Hub no dia 5 e recolheram destroços. A operação foi feita de modo secreto. Um cordão de isolamento foi estabelecido na rodovia US 285, impedindo a entrada na estrada vicinal que dá acesso ao rancho. Muita gente viu essa barreira. E a tarefa de limpeza teria ficado guardada sob sigilo se, a pouco mais de 50 quilômetros dali, outros destroços não estivessem sendo recolhidos por outras mãos.
No dia 6 de julho, MacBrazel, um empregado do rancho Foster, foi ver como estavam as ovelhas. Havia chovido e relampeado muito durante a madrugada e os bichos poderiam estar nervosos. E, em meio ao pasto, Brazel encontrou o que pareciam ser pedaços de uma aeronave. Ele juntou tudo, num total que calculou pesar dois quilos e meio. Os destroços foram tirados das mãos de Brazel pelo major Jesse Marcel, que antes de levar tudo para seus superiores passou em casa e mostrou os objetos à sua família. O filho do major é hoje um médico de 60 anos e mora em Montana. Ele disse a ISTOÉ que lembrava bem do episódio: “Meu pai chegou excitado dizendo que a Força Aérea tinha achado um disco voador. Mostrou à minha mãe e a mim umas barras finas e varetas feitas de um metal muito leve. Havia também umas folhas de algo que parecia papel alumínio, mas não amassava. Vi distintamente numa das barras sinais que lembravam hieróglifos. Não tenho dúvidas de que fosse algo alienígena“, garantiu.
Nem o estraga prazeres Kent Jeffrey é capaz de contestar o testemunho de Marcel Jr. Ele levou o médico a um famoso hipnotizador de Washington para recuperar as memórias daquele momento. “O dr. Marcel Jr. é um homem difícil de se hipnotizar, mas ele emergiu num semitranse. Não tenho dúvidas de que lembrou com precisão dos eventos daquela noite na cozinha de sua casa. O problema é que os destroços que ele viu não eram de um disco voador, mas sim de um balão carregando um radar-refletor. Quatro semanas antes de Brazel achar os destroços, um desses balões havia caído na região. Fazia parte de um projeto secreto, somente agora divulgado pela Força Aérea“, revela Jeffrey escudado em documentos recém-liberados pelo governo americano. “O balão - lançado em Alamogordo - fazia parte de um projeto idealizado por engenheiros da New York University e se chamava Mogul. Procurava detectar a radioatividade em artefatos nucleares. Seria usado para espionar o arsenal soviético“, diz Jeffrey. Desse modo, o que Marcel Jr. viu foram partes desse balão.


Nem todos os habitantes da cidade, porém, tinham qualquer noção de uma suposta chuva de OVNIs na área. A maioria permanecia ignorante. Este quadro foi modificado graças àquele que seria – pelo intervalo de um dia – o maior furo de jornalismo da história desde que Moisés subiu a montanha e entrevistou Deus. Chamado para preparar um press release sobre o evento da descoberta dos destroços, Walter Haut, o assessor de imprensa do 509o Bomb Group, escreveu que a Força Aérea tinha achado uma nave espacial. “RAAF captura disco voador num rancho na região de Roswell“, manchetou no dia 8 o jornal Roswell Daily Record. “O coronel William Blanchard, que era o comandante, me disse textualmente que tinha capturado um disco voador e que iria despachá-lo para a base de Fort Worth, no Texas“, jura Haut, que hoje é um empertigado senhor de 75 anos. “Walter Haut há anos ganha a vida graças à história que ele conta. Já mudou a narrativa várias vezes. Ninguém em Roswell lhe dá crédito“, assegura Steven Schiff, deputado republicano pelo Novo México e que durante anos se dedicou a atormentar o Pentágono para tornar público todos os papéis relacionados ao incidente de Roswell. E o Roswell Daily Record no dia 9 de julho foi obrigado a desmentir a história, depois que o general de brigada Roger Ramey pessoalmente negou a existência de discos voadores.
A última grande testemunha que dá munição às fileiras dos que acreditam no OVNI é alguém que entende muito de mortos. Glenn Dennis é o mais renomado papa-defuntos da cidade desde a época do incidente. Ele jura que foi chamado pelo pessoal da base para ensinar, pelo telefone, as técnicas de construção de sarcófagos para criança, hermeticamente fechados. Conclui-se com isso que os militares estavam arranjando meios para transportar os pequeninos ETs para a base de Fort Worth. Glenn também diz que teve contato com uma enfermeira de nome Naomi Self. Esta moça teria auxiliado nas autópsias feitas nos cadáveres dos ETs e contou horrores para o agente funerário.
A figura desta enfermeira sempre foi uma das peças-chaves nos argumentos dos ufólogos. Segundo a lenda, Naomi foi transferida para uma base na Inglaterra logo depois da autópsia. Pouco tempo depois ela morreria em condições misteriosas. Acontece que um paciente pesquisador chamado Vic Golubic foi fuçar nos arquivos do Cadet Nurse Corps – o corpo de cadetes enfermeiras e que mantém a lista de todas as pessoas que serviram as bases nos anos 40. Naomi Self não consta dos arquivos. Confrontado com o fato, Glenn confessou que dera um nome fictício à sua enfermeira. “Por que ele tentaria proteger alguém que já foi assassinada?“, pergunta o cético Jeffrey. É de se perguntar também: por que a Força Aérea dos Estados Unidos, que já fora capaz de tantas proezas, precisaria consultar uma funerária de interior para saber como se faz um caixão de defuntos?
Walter Haut e Glenn Dennis podem ser comparados aos dois lados de uma mesma moeda que fazem girar as engrenagens milionárias em funcionamento em Roswell. Trata-se de um caça-níquel internacional, onde já se fez de tudo. Há apenas dois anos, por exemplo, um produtor inglês “revelou” ao mundo o suposto filme da autópsia dos ETs do acidente. O documentário chamava-se The Santilli alien autopsy film. Na ocasião a necropsia foi saudada como tão espetacular quanto o quadro Lição de anatomia (1632), do pintor flamengo Rembrant. Houve muito rebuliço e o filme foi exibido em muitos países, inclusive no Brasil. Mas os analistas acabaram por desmontar a fraude e denunciar erros grotescos. A vigarice de gente que vive à custa do “Incidente de Roswell” não parou aí. O famoso publisher Bob Guccione, dono da revista Penthouse, foi vítima da mais recente tramóia. Ele comprou e publicou fotos de um ET numa mesa de autópsia. A criatura estava parcialmente chamuscada e apresentava um ferimento feio na cabeça. Pelo direito de tal furo de reportagem, Guccione pagou US$ 2,5 milhões. Assim que aquela edição de Penthouse foi às bancas, os leitores mais informados perceberam a bobagem. Se o publisher tivesse ido ao famoso International UFO Museum de Roswell, teria sabido que a foto era exatamente do ET que está numa vitrine do estabelecimento. Trata-se de um boneco que uma equipe de produção fez para um filme de Hollywood e acabou doando para o museu. Não é necessário pagar nem um centavo para entrar no recinto ou para fotografar o boneco. O International UFO Museum é literalmente impagável: tem entrada franca. Seus funcionários são voluntários aposentados e o lugar recebe ajuda financeira de estabelecimentos comerciais da cidade. Hotéis e restaurantes foram convocados para ajudar a prefeitura a manter um dos maiores chamarizes de turistas da cidade. Com esses recursos o museu conseguiu mudar, em 1991, de suas acanhadas instalações originais e passar para o imenso salão de um antigo cinema na rua principal. Mais de 80 mil pessoas já passaram por suas portas. E diariamente chegam ônibus de excursões para ver as maravilhas de seu interior.
Os fundamentalistas religiosos continuam gritando contra o museu. São nossos maiores críticos. Acham que toda essa história de naves espaciais vai de encontro às suas crenças religiosas. A Christian Coalition (Coalizão Cristã, organização político-religiosa conservadora) está tentando acabar com nossos subsídios“, garantiu a ISTOÉ Deon Crosby, a bela diretora do museu. “Mas os outros habitantes da cidade, embora ainda se envergonhem um pouco da fama ufológica, têm percebido que existe um pote de ouro no fim dessa estrada“, assegurou Deon. E os números da prefeitura confirmam de sobra essa tese: o faturamento municipal do ano de 1996 foi de US$ 150 milhões. Nada menos do que US$ 50 milhões desta conta são resultados diretos da indústria criada pelo “Incidente”. “No ano passado nós reunimos 12 mil turistas apenas no festival UFO, em julho“, disse Deon. E, para comemorar os 50 anos da suposta aparição, Roswell está preparando a maior festa de que se tem notícia desde sua fundação em 1891. Entre os dias 1o e 7 de julho são esperadas 150 mil pessoas tão ávidas por discos quanto, digamos, adolescentes roqueiros.
Sheila Corn e seu marido, Hub, ajudam nesse esforço turístico. Eles são os donos do rancho Hub e estão colocando ônibus que durante o festival vão levar os peregrinos até o local do acidente. O casal colocou suas atividades sob a tutela de uma megaagência de promoções em Hollywood. Foram investidos US$ 550 mil nos preparos do rancho para a festa. Banheiros, demarcações, churrasqueiras e outras comodidades foram instaladas. “Nós vamos inaugurar um monumento no dia 4 de junho. E, pela primeira vez, vamos permitir que as pessoas acampem no local. Por US$ 90 um indivíduo receberá uma barraca, um sleeping-bag e o direito de passar a noite aqui“, diz Sheila, enquanto espanta uma dezena dos bilhões de mosquitos que infestam o lugar.


 Os que não saciarem o apetite ufológico no acampamento do rancho, ou no museu principal, podem descer dois quilômetros da Main Street. Na direção do aeroporto – que ocupa agora as instalações da antiga Base Aérea militar – está o UFO Enigma Museum. Lá, além das fotos desfocadas de praxe, existe um cenário onde foi reproduzida a cena do acidente no rancho Hub, com ETs de pano interpretando as vítimas. O idealizador e dono deste museu é um veterano pesquisador chamado John Prize, 44 anos. “Muitas dessas histórias de UFOs que ouvimos contar são ridículas“, admite Prize. “Minha meta é fazer com que as pessoas olhem para esses fenômenos seriamente.” Ele acredita no que faz e vem coletando material desde 1964, tem até uma foto tirada em 1979 por um piloto da Varig e que mostra um suposto disco voador. No seu museu – que anteriormente foi uma locadora de vídeos – exibe um pedaço de um material esquisito e esverdeado. “Este é um metal extraterrestre que encontrei perto do local onde Brazel recolheu seus destroços no rancho Foster. Enviei uma mostra desse material para a Nasa e eles não conseguiram analisar. Sabe-se, porém, que a substância é uma espécie de vidro-metálico para o qual não temos tecnologia“, diz.
Na verdade, eventos megadramáticos sempre aconteceram em Roswell, antes e depois de 1947. No dia 5 de agosto de 1945, um avião bombardeiro B-29 levantou vôo das pistas da base aérea local. A nave fora batizada de Enola Gay – em homenagem à mãe do piloto – e fazia parte do 509o Bomb Group. Sua viagem a levaria ao outro lado do planeta, para despejar, no dia 6 de agosto, a bomba atômica sobre Hiroshima. Em 16 de julho de 1945 se deu a explosão experimental da primeira bomba de hidrogênio no mundo – ali pertinho de Roswell – nas areias alvíssimas do deserto em Alamogordo. Muitos anos depois disso, um outro estouro aconteceria em Roswell. Em 11 de novembro de 1962 a bomb-shell Demi Moore – que muitos acreditam não ser deste planeta – nascia na maternidade local. E, com um “avião” desses, quem precisa de nave espacial?
Fonte: Revista Isto É – 25 de junho de 1997



mas andes
Ufólogo e integrante do Grupo de Amigos que Estudam Mistérios e Ufologia criado em 1997, atuando em Guarujá e região, efetuando pesquisas nas áreas de ufologia e espiritualidade, e suas diversas ramificações. O fascínio dos ETs.
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